Cultura e futebol

Escrevi sobre cultura organizacional em pleno campeonato mundial de futebol Rússia 2018. Por isso, nada melhor que começar com uma afirmação (contestável como todas) relacionada com este tipo de competição. Há quem diga (Dave Ulrich, por exemplo) que é o “goleador que marca o golo, mas é a equipa que ganha o jogo”! Eu, concordando, acrescentaria que “é a cultura que vence o campeonato”.

 

 

Paixões clubísticas à parte, refiro um clube que dominou durante cerca de vinte anos o futebol nacional. Os clubes concorrentes investiram durante esses anos na compra de inúmeros “craques” para reforçarem as suas equipas. Esses “talentos” chegavam a esses clubes (recordar-se-ão de alguns vindos da Rússia) e, invariavelmente, passados poucos meses revelavam-se autênticos fiascos. Indisciplinados em campo, noctívagos, arrastavam-se nos treinos e nos jogos, passavam rapidamente de bestiais a bestas, ie, de salvadores a dispensáveis. Readquiridos (ao preço da chuva) pelo tal clube ganhador, esses talentos eram integrados num ambiente de rigor, exigência, orientação para resultados e espírito vencedor que rapidamente embebiam e tornavam-se jogadores com desempenhos completamente diferentes.

Incontestavelmente que esse clube teve grandes “goleadores”, indubitavelmente que possuiu “equipas” fortes, bem organizadas e lideradas, mas seguramente que foi a “cultura” (a que alguns chamavam mística) que fez a diferença e que fez esse clube ter sucesso durante tantos campeonatos. Sintetizando, os talentos podem ser determinantes para a criatividade, eficácia e os resultados duma equipa ou duma empresa, mas dificilmente brilharão se essa equipa ou empresa não lhes proporcionar a liderança e os processos necessários a aproveitar a sua energia e criatividade e também se não estiverem envolvidos por uma cultura que lhes permita e potencie as suas competências.

São inúmeras as formas de definir cultura organizacional, mas, até hoje, a que considero mais conseguida é a que foi usada há muitos anos pelo CEO da ICL, que a considerou “is the way we do things around here”, isto é, como sendo a “forma como fazemos as coisas por aqui”. Gosto particularmente desta definição não só pela sua simplicidade mas, principalmente, porque ela nos permite compreender a razão porque a cultura é tão importante para qualquer empresa. Na verdade, se a forma normal como se fazem as coisas numa organização (ie, fizer parte do seu ADN) for orientada para o cliente e para qualidade, focada em resultados e com respeito pelas suas pessoas, então a cultura é um fator potenciador do negócio. Se, pelo contrário, a forma normal de atuar nessa empresa for burocrática, laxista, sem objetivos e sem preocupação pela qualidade, então a cultura está prejudicar gravemente o negócio.

Mas será que podemos alterar aspetos duma cultura ou criar uma cultura com o perfil que gostaríamos de ter? Existe (creio eu com base na minha experiência) uma ideia generalizada entre os gestores de RH que a cultura é algo que existe vinda do passado e com a qual temos de viver. Eu, pelo contrário, tenho uma visão interventiva da cultura, considerando-a uma ferramenta de gestão de recursos humanos, com forte impacto na forma como é exercida a atividade da organização e consequentemente nos seus resultados. O tipo de cultura duma organização deve ser pensado e trabalhado profissionalmente (top down), orientada pelos objetivos e condicionantes de longo prazo do negócio e valorizando e assentando naquilo que são as suas tradições positivas.

Neste enquadramento, podemos optar por “intervir” e contribuir para uma forma de fazer coisas marcada pela ética, o rigor, a orientação para os clientes, a valorização das pessoas etc. Ou “assistir” ao crescimento e consolidação duma forma de fazer as coisas que origine o “deixa andar”, a falta de qualidade e o desrespeito pelos clientes e pelas pessoas.

Esta ideia é ainda mais importante quando todos sabemos que, independente do setor, as nossas organizações vão ter de enfrentar nos próximos anos alterações radicais nos mercados em que atuam. As organizações vão ter de investir fortemente em liderança e em estratégias que lhes permitam antecipar e aproveitar as ameaças e as oportunidades que os novos tempos lhes trarão. Contudo, não há estratégia que possa ter sucesso se não estiver alinhada com a cultura. Nenhuma empresa consegue, a título de mero exemplo, implementar uma estratégia de inovação, se não tiver uma cultura de abertura e de aceitação do risco e do direito à diferença.

É por isso que os Anglo Saxónicos costuma dizer “culture eats strategy for breakfast”

Pense nisso!

 

 

José Bancaleiro

Managing Partner

Stanton Chase International – Your Leadership Partner

 

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