“O elogio da ignorância” – Artigo por José Bancaleiro

Contou-me um responsável duma prestigiada universidade que, uns anos antes, tinha convidado o maior guru mundial duma matéria para ser o orador principal duma conferência sobre esse tema. O guru era um velho professor, simples e despretensioso, que abriu o evento com uma excelente alocução. Quando terminou a sua intervenção, sentou-se na fila da frente e durante toda a conferência ouviu atentamente os outros oradores (que entravam e saíam), ao mesmo tempo que ia tirando notas para o seu caderno. No fim, o guru declarou que tinha aprendido muito e ficado um pouco menos ignorante.

Este texto é um tributo à ignorância  . . . consciente e assumida. Na verdade, aqueles que mais sabem, são os que maior consciência têm que é muito mais aquilo que ignoram do que aquilo que conhecem. A ignorância nada tem a ver com capacidade ou inteligência, tem a ver, isso sim, com informação e conhecimento. E quanto a conhecimento, todos sabemos que por muito de saibamos dum tema, existe ainda muito mais para aprender.

A ignorância assume formas diferentes. Qualifica-se como ignorante a pessoa que desconhece um assunto, a que acredita em situações manifestamente falsas, aquela que critica algo sem conhecer e ainda a pessoa grosseira e com modos pouco urbanos. Mas o ignorante mais frequente é aquele que ignora a sua ignorância e o ignorante mais perigoso é o que não sabe nem quer saber.

Dizem os especialistas nestas matérias (nos quais não me incluo) que o processo típico de aprendizagem pode ser estruturado em função do nível de consciência e do nível de competência e ter 4 fases principais, conforme na figura seguinte:

A primeira fase (mais comum) é a da ignorância inconsciente, isto é, a pessoa não sabe sobre um determinado tema e não tem consciência disso. Um exemplo paradigmático é o que acontece nas organizações com a função de liderança. A maioria das pessoas quando assume funções de chefia duma equipa não domina as competências necessárias para liderar e não tem consciência disso. Não sabe que não sabe liderar.

Segue-se a fase da ignorância consciente. A pessoa tomou consciência da sua ignorância sobre um determinado assunto e isso é “meio caminho andado” para tomar a decisão de ganhar competências nessa área. Perigosos são os ignorantes que sabem que não sabem e, mesmo assim, não querem saber. São os ignorantes que, por razões várias, fazem da ignorância uma opção de vida.

A terceira fase é a da competência consciente. A pessoa tem consciência que é competente naquela matéria, ie, sabe que sabe. No caso da liderança, o chefe que tomou consciência da sua falta de competências nesta área, investiu na sua preparação e tornou-se competente.

A derradeira fase acontece quando a pessoa já se tornou de tal forma proficiente numa determinada competência (por exemplo, conduzir um veículo) que mesmo sem ter consciência domina essa competência. É uma competência inconsciente, a que alguns chamam de sabedoria. Em termos de liderança de pessoas, acontece com aqueles líderes que interiorizaram de tal forma os princípios de liderança, que mesmo sem terem consciência disso os aplicam no seu dia a dia.

Mas há ignorância e ignorância. Um Director de Vendas que não saiba quem são os maiores clientes é uma ignorância inaceitável. Este não é ignorante, é desleixado. Pelo contrário, um Director de Produção que não conhece uma metodologia de produção que só muito recente começou a ser usada no Japão é uma ignorância aceitável. A maioria das situações de ignorância não são dramáticas, podendo até ser positivas, quando elas se transformam em conscientes e levam ao investimento em novas competências. Sem ignorância consciente não há aprendizagem nem evolução. Daí o título deste artigo.

Nas empresas tenho-me confrontado com dois tipos ignorantes. Os que procuram activamente colocar-se em situações de desconforto e de aprendizagem que lhes permita tomarem consciência de novas áreas de incompetência e, por força disso, passarem de ignorantes inconscientes a ignorantes conscientes e daqui a competentes conscientes. Normalmente são abertos de espírito, curiosos e investem na sua evolução. São talentosos.

Mas também tenho encontrado muitos ignorantes que ignoram a sua ignorância ou, quando tomam consciência dela, preferem fingir ou encontrar desculpas para não saírem das suas zonas e conforto. Habitualmente, “sabem tudo”, razão pela qual não vão a cursos de formação, acreditam que o futuro é uma mera extensão do passado, por isso não se preparam para a mudança e acham que o sucesso é fruto do destino (que lhes está divinamente reservado) e não do esforço e do mérito. Costumam acabar mal.

Sintra, 2 de Janeiro de 2011

José Bancaleiro,

Managing Partner

Stanton Chase International – Executive Search Consultants

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