Por favor, não matem o Coaching

Empowerment foi uma “buzzword” da gestão de pessoas que esteve na moda há uns anos atrás. Em termos muito “simplistas” era definida como o processo de fortalecer a capacidade de pessoas e equipas para tomar decisões autónomas e de transformar essas escolhas em ações e em resultados. Nessa época (e ainda hoje), eu acreditava na bondade deste conceito.

Recordo-me, por isso, que foi com espanto que numa reunião profissional em Londres, eu ouvi os meus colegas ingleses desvalorizar e “gozar” este conceito. Explicaram-me depois que a palavra tinha sido usada com tanta frequência, em tantos sentidos e de formas tão pouco sérias que tinha perdido completamente a credibilidade. Pouco tempo depois, o “empowerment” foi enterrado no mesmo baú onde estão dezenas de “buzzwords” que não passaram de modas efémeras.

Não gostaria que acontecesse ao “Coaching” o mesmo que vi acontecer ao “empowerment”. Acredito verdadeiramente na fundamentação científica e na eficácia deste conceito e é por isso que me custa muito assistir passivamente à sua banalização destrutiva e, pior ainda, à sua crescente e grosseira deturpação. De facto, nos últimos anos, o coaching tornou-se numa moda da gestão de Recursos Humanos em Portugal.

Hoje chama-se coaching a tudo! Confunde-se coaching com liderança. Denomina-se “coaching” o que até há pouco tempo se chamava feedback. Designa-se como coaching aquilo que é mero exercício de “empowerment”. Apelida-se de “coaching de equipas” intervenções que não passam do tradicional “teambuilding”. Enfim, a palavra está a ser “abusada” em tantos e tão diversos sentidos que, para além de a banalizar, gera à sua volta uma nuvem de confusão, que faz com que a maioria das pessoas (incluindo muitos profissionais de Recursos Humanos) tenham uma ideia muito difusa e distorcida do que é verdadeiramente o coaching.

Aprendi há mais de dez anos com um inglês de cabelos branqueados por muitos anos de consultoria em organizações de todo o mundo, que embora existam especialistas que gostem de o tornar complexo, o coaching assenta sobre fundamentos científicos simples e fáceis de “vender” a quem já sentiu quão difícil é mudar comportamentos nas organizações.

Uma forma eficaz de explicar o que é o coaching é compará-lo com as soluções tradicionais. Tomemos como exemplo (típico) um diretor tecnicamente competente, mas com um estilo de liderança problemático e castrador da equipa. A solução tradicionalmente prescrita é enviá-lo a um curso de formação em liderança de alguns dias numa das boas empresas de formação nacionais ou internacionais. O “diretor” sai do seu ambiente durante alguns dias, relaciona-se com pessoas com outras vivências, ouve formadores competentes falar de conceitos interessantes e bonitos. No fim, ele sente que o curso o ajudou a compreender alguns aspetos da sua forma de atuar que tem de modificar e assume consigo mesmo um compromisso de melhorar. Em suma, o curso parece ter valido a pena.

Quando o “diretor problemático” regressa à empresa, mergulha numa realidade que não é aquela que sobre a qual assentou o curso, percebe que muitas das soluções prescritas não se adaptam ao seu estilo pessoal nem o ajudam a resolver os seus problemas concretos. Mas, apesar disso, tenta modificar-se. Contudo, à medida que os dias vão passando, a realidade vai progressivamente impondo a sua força e o seu compromisso de melhoria vai-se paulatinamente esbatendo, até que, quase sem dar por isso, o diretor volta aos seus hábitos abrasivos de chefia.

O coaching, quando bem exercido, pode ajudar a ultrapassar as debilidades destas soluções tradicionais, porque possui, entre outras, três características que são essenciais e que o tornam numa solução cientificamente diferente. (i) É uma solução individual e que se baseia na personalidade de cada pessoa. (ii) Tem em conta o ambiente e problemas concretos que o rodeiam e (iii) é continuado no tempo. São estas três características que o tornam diferente das soluções tradicionais e que lhe dão a consistência necessária para se poder afirmar que não é apenas mais uma buzzword na moda. Vejamos brevemente cada uma delas.

Todos sabemos que não há duas pessoas iguais e que a forma de sentir, de aprender, de pensar, de reagir, de liderar, etc. varia conforme a personalidade e as vivências de cada individuo. É por isso que soluções que visem alterar comportamentos e que não partam dum conhecimento profundo das características específicas de cada pessoa têm fortes probabilidades de falhar.

Um coach deverá, pois, possuir conhecimentos sólidos de comportamento organizacional e dominar ferramentas de identificação de estilos comportamentais (feedback 360º, por exemplo). Saber identificar e trabalhar os traços de personalidade do coachee (e também dos seus principais parceiros) é fundamental para saber como criar as condições para que cada individuo, de acordo com as suas características específicas, encontre os seus caminhos de melhoria. Não é um trabalho para “amadores”.

Mas para a solução ter sucesso é também necessário que ela tenha em conta a realidade organizacional em que o coachee se movimenta. As organizações são arenas de conflitos e de problemas muito complexos e muito diversos. Para se poder ajudar é necessário ter a capacidade para entender e gerir essa “realidade organizacional”, usando instrumentos adequados.

 

É por esta razão que eu defendo que para se ser um bom coach (especialmente de executivos) não chega ser um perito em psicologia ou dominar todas as ferramentas de técnicas do comportamento organizacional. É necessário também ter conhecimento e sensibilidade à vida dentro das organizações. E isso depende muito da personalidade e das suas vivências organizacionais de cada um. Uns cabelitos brancos não são garantia, mas, em regra, são uma boa ajuda.

Por ultimo, sabe-se que a alteração de comportamentos passa, essencialmente, pela alteração de hábitos e que a alteração de hábitos só é possível através da repetição de novas práticas pelo tempo necessário para que elas se consolidem. O tempo é, pois, um elemento indispensável do coaching. Sem ele as alterações comportamentais tendem a ser passageiras.

 

Oiço frequentemente pessoas chamarem coaching a intervenções pontuais. É um erro porque afasta um dos componentes fundamentais do conceito, sem o qual ele perde a eficácia: o prolongamento no tempo. Com pena minha, tenho vindo a assistir a estes e muitos outros erros na divulgação e na aplicação do coaching. Isto está a provocar (na minha opinião) a sua progressiva adulteração, a sua confusão com outras ferramentas e consequentemente a sua destrutiva degradação.

Por favor, não matem o coaching!

Sintra, 17 de Fevereiro de 2008

José Bancaleiro

 

Director central de Recursos Humanos do Banco Finantia

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